Como cinco roqueiros de meia-idade, um deles ainda com um uniforme escolar, conseguiram ficar na estrada por tanto tempo?

O jornalista Guy Blackman desvenda este grande segredo do AC/DC. Uma matéria que traduzimos e a dividimos em três partes.

The School Days

De fato não há nenhuma outra banda no mundo como o AC/DC. Claro que muitos caras “enjaquetados” que querem ser estrelas do rock andam tocando versões baratas de “You Shook Me All Night Long” nos palcos de pubs todos os fins de semana, mas isso só reforça a singularidade do AC/DC. Nos dias de hoje, a maioria das novas bandas de Hard Rock são relegadas a tocar em “celeiros” nos subúrbios das cidades, enquanto com mais de 35 anos de carreira, o AC/DC ainda continua no topo das paradas em todo o mundo, conquistando ainda mais fãs e tocando em grandes estádios.

“Agora há três gerações de fãs do AC/DC. São crianças de 12 e 15 anos, elas com seus pais e elas com seus avôs. Pessoas de 60 e 70 anos de idade estão comprando ingressos.” – Angus Young

A criançada no show do AC/DC durante a turnê "Black Ice".

A criançada no show do AC/DC durante a turnê “Black Ice”.

O álbum “Black Ice” reforçou o eterno domínio do AC/DC, atingindo o primeiro lugar em 29 países. Vendeu mais de 6 milhões de cópias em todo o mundo, foi o segundo álbum mais vendido em 2008 atrás apenas do disco do Coldplay, “Viva La Vida”.

“Black Ice” foi também um retorno. O primeiro álbum de estúdio da banda desde 2000, quando lançaram “Stiff Upper Lip”. Oito anos é uma vida – provavelmente até duas vidas – na música popular, e houve grandes mudanças enquanto eles estiveram ausentes. Artistas solo surgiram para derrubar bandas de rock, assim como bandas que hoje são ícones do pop como Beyoncé, Justin Timberlake, Britney e Pink.

Mas o AC/DC de algum modo não foi afetado, voltaram arrebentando nas paradas como se fosse 1976 ou 1980. De volta, em cima de um caminhão tocando “It’s A Long Way To The Top (If You Wanna Rock n’ Roll)” ou melhor, dentro de uma locomotiva tocando “Rock n’ Roll Train“.

Então o que o AC/DC tem que lhes permite continuar a ser a única grande banda de rock n’ roll viva que conquistou e ainda conquista as pessoas em nível mundial?

De modo notório, os Rolling Stones ainda estão por aí fazendo suas coisas, mas as suas coisas são bem mais ambíguas, é o mesmo que acontece com o rock atual dos “meninos bonitos”, dos Kings of Leon. O AC/DC sempre foi simples e sempre deixou isso claro, arroz e feijão do rock n’ roll, com riffs pesados e sugestivos, letras engraçadas de amor. E eles são a única banda assim que ainda estão na estrada.

O AC/DC tem uma grande história, a morte do vocalista Bon Scott, que se engasgou com seu próprio vômito no banco de trás de um carro em uma fria noite de Londres em fevereiro de 1980, vítima de sua própria capacidade notável de festejar. E o então progresso triunfante da banda que anos mais tarde, com novo vocalista Brian Johnson e seu melhor álbum, “Back in Black”. Eles também têm uma imagem, o uniforme do guitarrista Angus Young, estudante, eternamente de blazer, shorts, boné e gravata. O jovem passou por uma grande variedade de uniformes, incluindo o do Superman – intitulado “Super-Ang” – antes de se decidir sobre o uniforme original da escola Ashfield Boys High School, em Sydney.

Mas a verdadeira chave para a sobrevivência da banda vai além da mera imagem ou a história de bastidores.

AC/DC em 1976 com o baixista Mark Evans.

AC/DC em 1976 com o baixista Mark Evans.

Depois de a banda ser formada no final de 1973, a visão dos irmãos adolescentes Angus e Malcolm fez com o que AC/DC conseguisse um formato sólido em setembro daquele ano, quando Bon Scott substituiu o vocalista original Dave Evans. Desde então, o AC/DC tem sido uma constante, praticamente imutável, fazendo sucesso disco após disco.

O AC/DC não mudou um centímetro e os fãs compram os novos álbuns e vão para as turnês como se a banda nunca estivesse longe. Sempre confiável, sempre cativante e nunca “parecer bem” em primeiro lugar. O AC/DC é eterno, imutável e, portanto, perene.

“Alguém disse a Angus outro dia: ‘Ei, vocês fizeram o mesmo álbum 15 vezes’.” Brian Johnson conta ao jornal The Scotsman em novembro do ano passado. “Angus respondeu: ‘Não cara, nós fizemos o mesmo álbum 16 vezes.’.

Sem dúvida que o AC/DC tem é uma fórmula vencedora. Os irmãos Young podem ter demitido bateristas e baixistas durantes os anos, trabalhado com o produtor Rick Rubin em 1995 no álbum “Ballbreaker” e até lançado “Black Ice” exclusivamente nas lojas Walmart nos EUA, mas quando se trata de crise, eles fazem o que sabem fazer de melhor.

“Sempre fomos uma banda de rock n’ roll”, Angus disse em uma entrevista de televisão nos anos 70, olhando para seu irmão Malcolm. “É isso que sempre tocamos, e é isso que nós queremos continuar tocando.”. O calmo Malcolm Young, balança a cabeça e murmura um acordo gentil. Com apenas 18 e 20 anos quando a banda foi formada, os irmãos foram o coração e alma do AC/DC, com o guitarrista Angus recebendo o foco visual e o guitarrista base Malcolm sendo o cérebro por trás da organização do grupo. Juntos, escreveram a maioria das músicas da banda, também escreveram com Bon e Brian em vários álbuns, mas desde 1988 estão escrevendo todo material juntos.

It’s A Long Way To The Top 

Não era só isso, o irmão mais velho, George Young levava seus irmãos aos shows do fantástico “Easybeats“, um dos primeiros grupos australianos a conquistar sucesso no exterior com o single de 1966, “Friday On My Mind“. Atuando como mentor, produtor e até mesmo como baixista e baterista nos primeiros anos de banda, a experiência de George e sua preocupação com seus irmãos tem sido fator crucial para o sucesso do AC/DC.

A união não se limita à família Young. O baixista Cliff Williams está com a banda desde 1977 e o baterista Phil Rudd retornou ao AC/DC em 1994, após mais de uma década depois de uma briga com Malcolm, e que afastou Phil da banda. Os três últimos álbuns foram gravados com este line-up, o mesmo de “Back In Black” e “For Those About To Rock“.

Angus Young, Malcolm Young e George Young nos anos 70.

Angus Young, Malcolm Young e George Young nos anos 70.

“Eles são muito fiéis”, diz o promotor de eventos, Garry Van Egmond, que trabalhou com o AC/DC na Austrália, Nova Zelândia e Japão em todas as turnês desde o início dos anos 80, incluindo também as próximas datas da turnê “Black Ice”. “Você pode imaginar as propostas pendentes que eles devem ter de outros produtores para as turnês, mas eles não as consideram, pois mostram sua lealdade a mim.”

Van Egmond atribui a longevidade da banda a uma bem-sucedida aceitação do público de todas as gerações.  Mas os jovens não querem ouvir os discos de seus pais e muito menos de seus avôs, a menos que haja algo na composição que traduz todas as décadas. Começando com o primeiro single do AC/DC, “Can I Sit Next To You Girl“, gravado com o vocalista Dave Evans (Bon Scott gravou no segundo álbum da banda, “T.N.T.“), a banda criou uma combinação perfeita de riffs de guitarra com backing vocals marcantes. O último megahit do AC/DC foi em 1990, com “Thunderstruck“, mas todos os álbuns incluem faixas dignas a qualquer álbum com as “melhores do AC/DC”.

“Muitas vezes debatemos sobre todos os caras da indústria fonográfica” diz o veterano gerente de música de Melbourne, Ralph Carr. “Por que o AC/DC resistiu a isso? Acho que o principal motivo foi a consistência de grandes canções. “High Voltage“, “Highway To Hell“, “Back In Black”, todos esses hits… Eles têm essa coerência, e é isso que eu acho que está faltando no mundo de hoje”. Ralph Car é um fã crítico do AC/DC desde que viu a banda quando era ainda adolescente, em 1977, no Heidelberg Town Hall. “Houve briga lá dentro, tive que sair correndo.”, lembra ele. “Eu acho que Bon Scott gostou, ele foi até a multidão.” Carr é também produtor de músicos como Kate Ceberano e Vanessa Amorosi, Carr alerta que a música mundial em 2010 será menos orientada à banda, menos orientada à rock e menos orientada à homens, do que era antes.

“As mulheres tendem a comprar muitos álbuns nos dias de hoje, não há grandes músicos homens”, diz Carr.”Nós estamos procurando por eles todos os dias, mas não há muitos bons do sexo masculino, como há no feminino. Eu procuro em qualquer gênero desde que eles sejam talentosos, e eu estou desesperado para encontrar uma banda ou um cantor masculino… mas não se encontra mais por aí.”

AC/DC. Capa do álbum "Black Ice". 2008.

AC/DC. Capa do álbum “Black Ice”. 2008.

Ainda sim, é um sinal de que o AC/DC pode suportar seu estilo acima de qualquer banda atual de rock com influências urbanas, como Pink. A famosa cantora tirou o chapéu para o AC/DC na turnê “Funhouse” do ano passado, aquecendo o público australiano presente uma versão de “Highway To Hell”. 

O AC/DC não deixou Pink ficar em primeiro lugar nos EUA quando ambos lançaram seus álbuns em outubro de 2008. “Black Ice” deixou “Funhouse” em segundo lugar por duas semanas no EUA, enquanto na Austrália Funhouse ficou em primeiro lugar durante uma semana, mas depois foi substituído por “Black Ice” pelas nove semanas seguintes.

Artistas femininos podem reinar nas paradas músicas nos dias de hoje, mas claramente o AC/DC é uma parada difícil de bater. Para alguns homens e mulheres, adolescentes e aposentados, o AC/DC representa algo único e eternamente gratificante – um amor simples sem complicações. Trinta e seis anos de carreira, e não há absolutamente nada de inesperado. Como o ex Go-Between e crítico musical, Robert Forster escreveu em sua coluna no “The Monthly, “Sempre existiu aquelas bandas de pensamento pequeno, que rejeita quaisquer críticas à melodias simples, ou as limitações do som.”. AC/DC provou que simplicidade, e algumas limitações no som podem ser a chave para uma carreira musical sem fim”.

Anything Goes

O estranho, então, é que Forster acredita que Angus Young deve tirar o uniforme de estudante. “É uma armadilha, quanto mais velho Angus fica, mais ridículo ele parece.” explica Forster.

Um Angus Young sem uniforme seria tão interessante para os fãs do AC/DC como o Kiss sem suas produções. Desde 1973 o AC/DC foi firme e confiável que se Angus pendurar seu uniforme hoje, a banda teria certamente uma morte súbita.

“ACCA DACCA” NO TOPO

– O AC/DC vendeu mais de 200 milhões de álbuns pelo mundo, incluindo 71 milhões apenas nos E.U.A
– O nome da banda veio das iniciais escrita na máquina de costura de sua irmã mais velha, Margaret.
– A primeira banda de Malcolm Young foi um grupo de Newcastle chamado “Velvet Underground”.
– Apesar de ser o segundo álbum mais vendido na história, “Back In Black” atingiu apenas o número 4 nas paradas nos E.U.A.
– Alistair Kinnear – o último homem que viu Bon Scott vivo – era considerado por muitos um nome falso, pois nunca foi identificado por alguém. Mas Kinnear apareceu em 2005 para falar com a imprensa pela primeira vez em 25 anos.
– Quando a família Young emigrou de Glasgow para Sydney em 1963, o irmão mais velho, Alex, preferiu ficar e formou a banda “Grapefruit” em Londres.