Trecho da matéria publicada na íntegra na edição 27, dezembro/2008 da revista Rolling stone Brasil

Trinta e quatro anos depois de vestir o uniforme de colegial pela primeira vez, Angus Young e seus companheiros estão de volta, com o melhor disco desde Back in Black

“É incrível ficar só olhando o jeito dele no camarim”, diz Johnson, com uma gargalhada rouca em meio a seu sotaque pesado do norte da Inglaterra. “Ele pode estar lá totalmente acabado, no meio de uma longa seqüência de shows, sentado com um cigarro e uma xícara de chá.” Johnson recurva o corpo e assume aquele ar de gnomo. “Daí, ele fala: ‘Faltam 20 minutos, rapazes’. Ele se levanta, mal diz alguma coisa, desaparece em um canto e volta vestido com aquelas roupas. Chega com um cigarrinho na boca, uma cara de safado, a guitarra pendurada no ombro. Parece o Clark Kent!”, Johnson exclama. “Entra em uma cabine de telefone e sai como um moleque de 14 anos, pronto para arrebentar!”

Essa é uma das transformações mais surpreendentes do rock & roll, o oposto hilário do guitar hero clássico. Em todas as apresentações do AC/DC, há quase 35 anos, Angus, que sustenta menos de 1,60 metro, sai do camarim como quem está indo para a sala do diretor da escola, vestido com uniforme de pré-adolescente – camisa branca e gravata com paletó, boné e short combinando -, baseado nas roupas que ele usava para ir à escola quando era criança em Sydney (Austrália). Daí, quando o baterista Phil Rudd, o baixista Cliff Williams e o guitarrista Malcolm Young, o irmão mais velho de Angus, mandam os primeiros acordes, Angus inicia um ataque frenético que só vai terminar no último bis. Ele dispara riffs concisos e faz solos estridentes enquanto percorre o palco com seus furiosos passos de pato, sacode a cabeça como uma galinha que tomou muita cafeína e se joga no chão de costas, sacudindo as pernas para o alto. A única pausa no delírio acontece durante “Bad Boy Boogie”, de Let There Be Rock (1977), quando Angus mostra a bunda para o público.

Essa representação toda e a música que a acompanha – mais de uma dúzia de álbuns de estúdio recheados de riffs de blues, grunhidos obscenos e força de ataque de uma manada de elefantes – transformaram o AC/DC em uma das maiores bandas do mundo. Back in Black, de 1980, vendeu 22 milhões de exemplares só nos Estados Unidos. Black Ice, o primeiro lançamento de estúdio em oito anos, tem tudo para ser o disco de rock mais vendido de 2008. Nos Estados Unidos, o CD só é vendido pela rede de lojas Wal-Mart, que fez uma pré-encomenda de 2,5 milhões de exemplares.

Mas existe um outro Angus dentro desse fenômeno – um artesão passional, obstinado e na dele, sempre em busca das infinitas possibilidades do R&B dos anos 50 e das guitarras do rock britânico da década de 1960, nas pegadas fundamentais de Chuck Berry e John Lee Hooker, do início dos Rolling Stones e dos Yardbirds. Fora do palco, sem o terninho, nos ensaios e nas sessões de gravação do AC/DC, Angus fica “completamente imóvel”, Johnson conta em voz baixa, cheio de espanto. “Ele sorri, fuma, se concentra.” E toca guitarra sentado.

Em um dia quente em meados de outubro, em um estúdio de ensaio na Filadélfia, o AC/DC se prepara para sua primeira turnê mundial desde 2001, com canções de Black Ice e aquecendo sucessos antigos como “Girls Got Rhythm” e “Whole Lotta Rosie”, dos álbuns que a banda fez com o falecido Bon Scott, predecessor de Johnson (Scott morreu em fevereiro de 1980, engasgado com o próprio vômito em um carro em Londres, dormindo depois de uma noite inteira de bebedeira). Dali a duas semanas, na noite de estréia em Wilkesbarre (Pensilvânia), Angus, que está com 53 anos, vai se transformar mais uma vez no colegial atômico.

Fonte: Rolling Stones Brasil