“Foi um péssimo fim de semana”, fiz Brian Johnson em sua casa na Flórida, EUA. O motivo foi a morte de seu companheiro de banda, guitarrista e co-fundador do AC/DC, Malcolm Young.

Jonhson passou 35 anos ao lado de Malcolm. O vocalista de 70 anos parou de fazer turnê com a banda no ano passado devido aos problemas auditivos, que ainda está tratando. “Nove malditas operações. Tenho que lidar com isso como um homem, mas quando dói, você fica acabado, parceiro”, ele diz. “Mas a situação de Malcolm foi muito pior – uma coisa invisível. Eu a chamo de doença invisível que ninguém pode ver ou tocar.” Brian falou com a revista Rolling Stone sobre suas lembranças ao trabalhar com Malcolm Young.

Brian Johnson e Malcolm Young. 2000. Stiff Upper Lip.

Brian Johnson e Malcolm Young. 2000. Stiff Upper Lip.

“Malcolm era o catalisador. Foi Malcolm que chegou a Angus e disse: ‘Pode arrebentar na guitarra.’ Malcolm ensinou a todos da banda como ser uma banda. Um dos grandes fãs veio a um dos shows e o segurança não o deixou passar. Estávamos na Alemanha e ele tinha vindo de carona, então Malcolm tirou 500 libras do bolso e falou: ‘Me desculpe por não conseguir colocar você aqui dentro, mas por que você não volta pra casa?’ Ele era simplesmente um querido.

Eu jamais esquecerei do meu breve teste para o AC/DC em 1980. Eles queriam um vocalista pra cantar algumas músicas. O cara mais baixinho da sala levantou e veio até mim. Pegou uma garrafa de Newcastle Brown Ale, pois era produzida na região de onde eu venho, e disse: ‘Pega aqui, parceiro, sinta-se em casa.’ Malcolm era assim.

Eu cantei e fui embora pensando: ‘Eu nunca vou conseguir a vaga’. Eu era ninguém. Eu falei: ‘Ei, rapazes, eu vou cantar algumas músicas e então voltarei pra minha casa’. Pelo menos eu poderia contar aos meus amigos que eu tinha cantado com o AC/DC. Então, um mês depois, era a voz de Mal no telefone dizendo: ‘Quer vir pra cá?’

Eu respondi: ‘Pra quê?’

E ele falou: ‘Sabe, temos que gravar um álbum.’

E eu: ‘Isso quer dizer que estou na banda?’ Ele respondeu: ‘Sim, porra’. Quando eu os encontrei pela primeira vez e fui para a Austrália, ele me levou para conhecer seu pai e sua mãe. Depois ele foi pra Newcastle conhecer meu pai e minha mãe, só pra falar: ‘Ei, eu sou Malcolm e essa é a minha banda.’ Ele era um cara muito atencioso.

Quando fomos para as Bahamas [gravar o álbum Back in Black], eu estava animado. Eu estava entrando para essa banda e a primeira coisa que eles fizeram foi dizer que gravaríamos um álbum. No primeiro dia, Malcolm me deu um gravadorzinho e um bloco de anotações. Ele falou: ‘Certo, essa vai ser nossa pré-produção. Então nos dê algumas letras; veja o que você consegue.’ E eu disse: ‘Você tem um título?’ Ele respondeu: ‘Sim, é ‘You Shook Me All Night Long’. Eu: ‘É um título longo pra caralho.’ Ele: ‘Parceiro, leve o tempo que precisar. Nós vamos trabalhar o dia inteiro pra tirar algumas músicas.’ E esse era o cara que ele era. Ele não falaria: ‘Eu quero algumas letras pra amanhã.’ Ele simplesmente dizia: ‘Senta aí e veja o que você consegue.’ Por sorte, eu consegui tirar a música inteira. Eu não queria decepcionar um cara desses pois ele havia me escolhido.

Última foto em público de Malcolm. 08 de janeiro de 2014.

Última foto em público de Malcolm. 08 de janeiro de 2014.

Malcolm nunca deixava passar nada. Ele prestava atenção em tudo. No palco ele estava sempre observando, pegando nas coisas e garantindo que as coisas estivessem de acordo com o que ele havia estabelecido. Estávamos nas Bahamas gravando Back in Black e escutando algumas das músicas. E eu estava sentado e falando: ‘Sim, esse é o riff do Malcolm!’ Phil [Rudd] estava muito certeiro na bateria como sempre. Mal sentou um pouco e falou: ‘O que é esse ruído?’ E nós: ‘Que ruído? Sobre o que você está falando?’ Ele respondeu: ‘Tem um ruído aí. Toque a música de novo’. Eles tocaram e não estávamos escutando nenhum ruído.

Então fomos tirando as faixas dos instrumentos, uma de cada vez, até sobrar o bumbo. E eu vou ser um filho da mãe: E tudo o você conseguia escutar era um ruído de estalo. E eu: ‘Que porra é essa?’ Eles tiraram a pele do bumbo e lá estava um caranguejinho de areia, que estava preso há uns 2 dias ali. Ele havia encontrado um lugar aconchegante enquanto Phil estava tocando. Nós só olhamos para o Malcolm e falamos: ‘Como diabos você notou isso?’ Simplesmente era assim que ele era. Foi inacreditável.

Em 1981 ou 82, Malcolm disse: ‘Vamos ao Lago Ness. Vamos ver se existe mesmo um monstro’. Nos hospedamos em um hotel bem em frente ao Lago. Jantamos e estávamos tomando um sorvete, caminhando para o Lago e eu falei para o Malcolm: ‘O que você tem aí?’ Ele falou: ‘Eu tenho uma caixa de rojão’. Eu: ‘Pra quê?’. Ele disse: ‘Bom, eu vou disparar eles e isso pode chamar a atenção do monstro.’ Eu disse: ‘Que ideia do caralho!’. Fomos direto para a água, e nem tiramos os sapatos. E estávamos lá quase nos cagando de tanto rir tentando preparar os rojões. Ficou tudo molhado e nós caímos, e claro que pensamos que tínhamos visto o monstro, mas não tínhamos certeza.

Malcolm deu um soco no rock n’ roll. Ele chutava a bunda do rock. As pessoas sempre perguntavam ao Mal: ‘Como você consegue fazer esse som, cara?’ Malcolm não contava o segredo pra eles ou não conseguia explicar muito bem. Ele só respondia: ‘Nós só tocamos.’ Eu costumava ficar perto dele no finalzinho de ‘Let There Be Rock’, em que há uma finalização bastante longa. Ele usava duas palhetas durante essa música. Ele as fazia desaparecer. Ele era o guitarrista mais preciso.

Muitas vezes enquanto estávamos na estrada, Angus me falava: ‘Ei Brian, eu tenho que ensaiar no meu quarto todos os dias. O dedilhado e tudo mais. Eu faça isso todos os dias.’ E eu perguntava: ‘Por quê? Você tem um talento natural nisso.’ E ele respondia: ‘Não, é por causa dele [Malcolm] atrás de mim. Se eu não fizer bem feito, ele vai tomar a frente e tocar melhor do que eu. E eu tenho medo disso!’

Nos anos 80, a banda, de repente, ficou fora de moda por causa das bandas dos cabeludos. A Atlantic [Records] (gravadora) jogou nosso novo álbum na mesa, na frente do Mal e Angus e disse: ‘Aqui não tem singles, não tem nada.’ Mal só falou: ‘Vai ser assim mesmo. Não somos uma banda de singles.’ As pessoas estavam dizendo que deveríamos mudar, usar jaquetas de couro e aqueles cabelos das banda dos anos 80. Malcolm tinha duas camisetas pretas e uma calça jeans. Malcolm sempre estava elegante em tudo que fazia.

Durante a turnê Black Ice, ele estava demais, mesmo tendo que reaprender algumas das músicas. A demência começava a se manifestar; a coisa maligna em silêncio. Você não consegue detectá-la com uma máquina de raio X ou coisa do tipo. É perversa. Ele não estava tão mal durante a gravação do álbum. Ele ainda estava muito bem. Ele criou alguns grandes riffs naquele álbum também. Mas quando a turnê começou, a doença se manifestou. Mas eu nunca esquecerei da última noite. Malcolm tinha um brilho nos olhos que você conseguia ver a um quilômetro de distância.

Malcolm e Angus Young. 2008.

Malcolm e Angus Young. 2008.

Quando estávamos fazendo a turnê Rock or Bust [a qual Malcolm não participou], ele estava se tratando e procurando por curas ou como parar essa coisa. Há três anos e meio, ele veio até a Flórida para conversar com um neurologista amigo meu. Mas eu acho que era tarde demais. Eu estava em um hospital na Austrália há dois anos fazendo uma operação, e os rapazes disseram que o Malcolm estava na ala ao lado. Eu disse: ‘Eu adoraria ver ele’, e eles disseram: ‘Não, você não pode ver ele. Ele está muito mal agora.’ Ele havia colocado um marcapasso e estava muito fraco e os médicos não queriam estimular ele. Eu estava deitado lá e não conseguia me mexer, e meu amigo estava na porta ao lado. Eu estava fodido. Isso foi muito doloroso. Talvez foi bom não ver ele porque isso partiria meu coração.

Malcolm ficaria absolutamente assustado com a chuva de tributos e luto. Ele não pensava nele dessa forma, ele era um gigante. Eu aprendi a ter o espírito de equipe com o Malcolm. Você é apenas uma engrenagem de uma máquina bem lubrificada. Se todos ficam juntos ao mesmo tempo, você coloca essa coisa fantástica para funcionar. E funcionou, você sabe. Malcolm não está mais aqui, mas se eu tenho algum problema, eu paro e penso: ‘O que Malcolm faria?’ Ele sempre fez a coisa certa.

Fonte: Rolling Stone