Kurt Squiers é um cara normal. Marido, pai, diretor de arte, publicitário, dono de seu próprio negócio… e, como você e eu, fã do AC/DC.

Eu disse fã? Fã é pouco, o termo não lhe faz justiça. Squiers é apaixonado pelo AC/DC. Obcecado, até (no bom sentido). Tanto que decidiu deixar a carreira de lado para realizar o sonho de fazer um documentário sobre a influência da banda na vida de fãs como ele. E como nós.

Ele é o homem à frente de Beyond the Thunder, aquele documentário do qual todos já ouvimos falar, cujo trailer já vimos inúmeras vezes e, no entanto, ninguém sabe quando será lançado. E isso inclui o próprio Squiers e seu parceiro Gregg Ferguson, o homem por trás da câmera. Após diversas tentativas frustradas de contato com representantes do AC/DC, pode-se dizer que os cineastas estão cansados. Apesar de o filme estar quase pronto, eles não querem nem podem continuar sem o respaldo da banda.

Depois de dois anos de trabalho e investimento do próprio bolso, Squiers está abatido por não saber que rumo o projeto tomará daqui pra frente. Ainda assim, fala com muita paixão sobre o filme e com mais paixão ainda sobre a banda que o motivou a fazê-lo.

Enfim, Kurt Squiers é um cara normal. Mas não um cara qualquer.

Leia a entrevista a seguir e entenda por quê.

Que tal se apresentar aos fãs brasileiros? Quando e como você começou sua carreira?

Me chamo Kurt Squiers e nasci na pequena cidade de Waterville (estado do Maine), na região da Nova Inglaterra, Estados Unidos. Uma cidade tão pequena que tinha apenas um semáforo. Com pouca coisa pra se fazer, a imaginação voa, e o lugar torna-se terreno fértil para muita criatividade. Eu me interessava por jornalismo, propaganda, design, filmes e fui estudar comunicação/design bem na época em que surgia a editoração eletrônica. O computador, como ferramenta criativa, estava engatinhando e era muito empolgante. Depois de me formar, fui trabalhar em propaganda como diretor de arte e fiquei nessa indústria por 20 anos, finalmente chegando a vice-presidente no departamento criativo, produzindo comerciais de TV, criando, escrevendo e fazendo o que eu mais amava – sempre escutando AC/DC para me inspirar, claro.

Por que vocês resolveram fazer o Beyond the Thunder?

Em 2007, eu me mudei para a Carolina do Norte, abri minha própria agência, a SQUiERS, LLC, e consegui alguns clientes bem famosos, como Microsoft, Xbox 360 Kinect, Sam Adams, Behringer, Hotel House of Blues, entre outros. Me juntei a um grande amigo do Maine, Gregg Ferguson, da Current Motion, para gravar vários projetos para essas marcas grandes e, por acaso, cruzei com o Brian Johnson e o Cliff Williams em um elevador, enquanto gravava no House of Blues, em Chicago. Eles foram tão legais que me chamaram para beber com eles ao perceberem que eu era muito fã do AC/DC. Não babei muito, eu juro. Na manhã seguinte, Gregg e eu colocamos no papel o conceito de ‘Beyond the Thunder’ no verso de um guardanapo. Tentamos nos aproximar dos representantes do AC/DC, não deu em nada, e decidimos que precisávamos de uma prova de conceito para persuadir os manda-chuvas de que aquela poderia ser uma ótima idéia. Pouco depois, veio a recessão. Sem trabalho, pensamos: qual é a melhor forma de enfrentar uma crise econômica, se não fazendo um filme sobre fãs do AC/DC?

Todo o barulho que fãs do mundo inteiro estão fazendo por causa do documentário surpreendeu vocês ou uma repercussão assim, de certa forma, era esperada, sendo o AC/DC uma banda tão grande?

Bem, claro que você ganha um público embutido quando lida com um assunto/marca tão importante como é o AC/DC. Porém, Gregg e eu ficamos completamente chocados pela resposta positiva que ‘Beyond the Thunder’ recebeu de todas as partes do mundo. Acho que provocamos uma reação nos fãs e também em pessoas que podem até não ser fãs da banda, porque essas histórias sobre ser influenciado pela música do AC/DC são de um grupo tão diverso de pessoas – autores, atores, comediantes, atletas profissionais, strippers, pastores – que, de fato, há histórias para todos. É mesmo um filme para fãs do AC/DC, sobre fãs do AC/DC e, mais importante, feito por dois fãs do AC/DC – mas não aquele velho e batido documentário de fã bitolado. É um filme sobre o que as pessoas tiraram da energia do AC/DC ao longo desses 35 anos e como a vida de cada uma delas foi afetada pela banda. Pode soar profundo, mas, no fim das contas, a música do AC/DC está muito acima disso.

Vocês entrevistaram diversos fãs famosos e anônimos, e todos eles têm uma relação interessante com o AC/DC. Você poderia nos contar alguma história particularmente curiosa ou emocionante?

Evidentemente, é fascinante o relato de Michael Durant [*] sobre sua captura após o helicóptero Black Hawk que pilotava ter sido abatido em Mogadishu, relembrando seu resgate heróico – graças  a seus companheiros, que prenderam caixas de som em um helicóptero e sobrevoaram a cidade tocando ‘Hells Bells’ a todo volume. Ver um cantor/compositor folk tocar versões simples e acústicas de músicas do Bon Scott em um quarto de hotel em Nova York também foi incrível. Especialmente após termos acabado de visitar o local da morte de Bon, na Inglaterra. Tomar Carolina Moonshine com os caras do Hayseed Dixie em Nashville foi inebriante. Ver de perto as tatuagens dos irmãos Young que Scott Ian tem nos braços foi um prazer. E, pessoalmente, conhecer o lendário diretor de arte Bob Defrin, que desenhou as capas de disco mais famosas do AC/DC (e encomendou aquele logo matador que hoje todos conhecemos e amamos), foi um ponto alto para mim. E, claro, conhecer fãs de todo o mundo do lado de fora de arenas e estádios, antes e depois de cada show do AC/DC, foi intenso. Como eu disse antes, o filme tem histórias que tocarão particularmente a todos que o virem.

[*] Michael Durant é o piloto americano que foi feito prisioneiro durante a batalha de Mogadishu, na guerra civil da Somália, em 1993. Sua história inspirou o filme Falcão Negro em Perigo. Hells Bells é sua música favorita.

E qual é a sua história? Quantos anos você tinha quando ouviu AC/DC pela primeira vez e que impacto isso teve sobre você?

Minha história, provavelmente, é igual à da maioria. Aos 10 anos de idade, eu ouvia Village People e Supertramp (me desculpem), até que meus dois irmãos mais velhos, Mike e Jerry, trouxeram para casa o Highway to Hell. Era a capa de disco mais assustadora que eu já tinha visto, e a música era tão desgraçada quanto. O disco me pegou de jeito na hora e deu àquele garoto de 10 anos um par de bolas. Nada de Village People depois disso, posso garantir. O impacto hoje se tornou uma parte comum da minha formação. A música deles e até a postura deles fora do palco me deram confiança e me ensinaram a manter as coisas simples, sem frescuras. E a não levar as coisas tão a sério. É engraçado, porque a música do AC/DC soa séria, mas, de certa forma, a mensagem é bem leve. É uma fórmula potente.

E a primeira vez que os viu ao vivo? Como foi?

Eu vi o AC/DC pela primeira vez em 1985, na tour do Fly on the Wall em Worcester, Massachusetts. Estava tão atônito que nem sabia que música eles estavam tocando quando apareceram no palco. Por ironia, sentado a apenas algumas fileiras de mim, estava meu colega Gregg Ferguson – que eu só conheceria vinte anos depois, para então começar a trabalhar em um documentário sobre o AC/DC. Nós éramos de estados diferentes também. Aquele foi o primeiro show da vida do Gregg. Não é demais? Acho que ainda tenho a audição comprometida.

Como fã, o que você acha que o AC/DC tem que outras bandas simplesmente não têm? O que faz com que eles se destaquem de todas as outras bandas – ou, meio que citando o livro do Anthony Bozza, por que o AC/DC importa?

Eu gosto muito do livro do Anthony (ele também está no nosso filme). É como um trabalho de conclusão de curso da faculdade. É um livro muito inteligente e uma leitura cativante e rápida. A meu ver, o AC/DC batalhou muito e tocou em todo e qualquer lugar que o deixasse tocar, até que o mundo inteiro entendesse. Estivesse você do lado deles ou não, o AC/DC era seu próprio exército buscando conquistar o mundo. E foi o que eles fizeram, três acordes por vez. Eles são verdadeiros trabalhadores braçais que nunca confundiram sucesso com fama. Eles deixaram a emoção de lado e mantiveram um sólido regime empreendedor. Foram fiéis à fórmula e não a alteraram. No filme, há um depoimento incrível do comediante Jim Breuer sobre o sucesso do AC/DC. É muito engraçado e verdadeiro. Não vou estragar, mas tem a ver com cookies de chocolate. A boa e velha teimosia de Angus e Malcolm Young também ajuda, tenho certeza. Sem esse laço familiar, desde a irmã Margaret até o irmão George – e mesmo seus pais –, o AC/DC não estaria aqui hoje. Eles sempre fizeram o que quiseram fazer. E isso vale muito.

Quando será lançado o documentário? Quais são os obstáculos que impedem o lançamento?

Essa é uma pergunta que sempre me fazem. Aqui vai a história real: Gregg e eu queremos que este filme tenha o aval do AC/DC antes de avançarmos mais. Não queremos fazer um documentário não-autorizado. Não queremos um produto que o AC/DC jamais endossaria. Isso significa uma oportunidade de nos reunirmos com a banda, fazê-los entender nosso projeto, o que este filme significa para incontáveis fãs e fazê-los perceber que este é um filme ímpar, feito para os fãs e sobre os fãs – não um documentário sobre a banda, eles não se interessariam por isso. Se eles se envolvessem minimamente, daríamos à banda total controle criativo e qualquer porcentagem do filme que eles quisessem. Não é uma questão de dinheiro pra gente, é um projeto passional que, sendo bem sincero, oferece a pessoas de todo o mundo um meio de dizer: “É exatamente isso que o AC/DC significa pra mim, mas eu nunca consegui traduzir em palavras. Este filme consegue fazer isso por mim.” Entretanto, ‘AC/DC’ se tornou uma marca tão grande que a fortaleza ao redor da banda é quase impenetrável, especialmente para dois caras desconhecidos que começaram esse projeto sem nenhum apoio.

Vocês ainda estão filmando? Há planos de entrevistar fãs da América do Sul e de outros continentes?

Pra falar a verdade, não estamos filmando há meses porque nos sentimos como se tivéssemos sido… bem… shot down in flames por não conseguir uma única chance de apresentar a idéia aos representantes da banda. Falta muito pouco para terminarmos de filmar. Temos mais ou menos 2/3 do filme concluído, mas não podemos continuar sem apoio. Simplesmente não podemos. Sequer sabemos se a banda viu ou ouviu falar do ‘Beyond the Thunder’. Tivemos boa divulgação na imprensa, nosso trailer promocional foi exibido na Classic Rock Magazine e também na exposição AC/DC Family Jewels, que agora está percorrendo a Austrália. Mas a maior força que temos recebido vem dos fãs de todo o mundo via twitter, Facebook e pelo www.BeyondtheThunder.com. Vocês realmente nos fazem continuar. Até as pessoas retratadas no filme nos escrevem dizendo que nos apóiam até o fim. E nós ficamos muito gratos! Acreditem, se o documentário retomar seu rumo, o Brasil está no topo da nossa lista de lugares para filmar antes de concluirmos o filme, assim como a Austrália.

Você acha que a banda pretende lançar outro disco de estúdio?

Bom, se você observar a trajetória da banda, é improvável. Estou certo de que será lançado algo ao vivo em breve, mas é improvável que saia outro disco de estúdio antes de, nossa, 2016? Assustador, não é? Ballbreaker 1995, Stiff Upper Lip 2000, Black Ice 2008. Estou apenas fazendo as contas. Brian estará com 70 anos. Isso é muito louco. Seria ótimo se eles gravassem algo agora, enquanto ainda estão animados após a Black Ice Tour.  Provavelmente a última coisa que eles gostariam de fazer no momento, mas seria uma grande rede de segurança, uma garantia de novo material do AC/DC, independentemente do que acontecesse no futuro. O rock and roll nunca morrerá, mas até o AC/DC é mortal, infelizmente. O que quer que eles decidam, eu disse a Dweezil Zappa que ele deveria produzir o próximo disco da banda. Uma escolha inusitada, talvez, mas quando ele nos mostrou a música inédita que gravou com Angus e Malcolm, que ele mesmo produziu, soou tão cru e sensacional que parecia que estávamos em 1978 outra vez.

Que palavras você usaria para descrever os fãs do AC/DC?

Uma palavra seria ‘convicção’. Creio que, se você é um fã do AC/DC, você realmente acredita em tudo o que essa banda representa. Quando você conhece um fã de 80 anos de idade cuja música escolhida para o próprio enterro é Highway to Hell e vê um recém-nascido usando uma camiseta do AC/DC, significa que não é mais possível classificar um típico fã da banda. É uma coisa de geração, e é maravilhoso para alguém como eu, um fã minha vida inteira, apoiando essa banda por todo o caminho, poder vê-los, finalmente, colhendo os frutos merecidos.

Muito obrigado por conversar com a gente. Gostaria de dizer mais alguma coisa?

Muito obrigado a vocês e obrigado também pelo enorme apoio que estão nos dando. We salute you Brasil!